quinta-feira, 27 de agosto de 2009

KARL MARX

Karl Marx


Karl Marx
Karl Heinrich Marx (1818-1883), filósofo, economista e militante revolucionário alemão. Fundador do comunismo científico, grande educador e guia do proletariado mundial, inspirador e organizador da I Internacional ("Associação Internacional dos Trabalhadores"). Marx nasceu a 5 de maio de 1818 em Trévers ou Trier, Alemanha. Seu pai era advogado. Depois do liceu cursado na cidade natal, Marx prosseguiu os estudos na Universidade de Bonn, e mais tarde, na de Berlim, onde ingressou no grupo 'hegelianos de esquerda" de tendência revolucionária. Dedicou sua tese de doutoramento à filosofia de Epícuro e de Demócrito, defendendo aí concepções idealistas. Após ter brilhantemente a tese na Faculdade de Filosofia de Hiena, Marx voltou a Bonn; mas abandonou-a em 1842 para dirigir-se a Colônia, onde exerceu a função de chefe de redação da "Gazeta do Reno, órgão da burguesia radical" da Renânia. Lênin refere-se ao período de trabalho de Marx na "Gazeta do Reno" como de um período de transição do idealismo para o materialismo, do democraticismo revolucionário para o comunismo. Em princípios de 1843, a "Gazeta do Reno", que sob a direção de Marx era um órgão democrático-revolucionário e achava-se submetida a rigorosa censura foi proibida de circular. Em junho de 1843, Marx casou-se com Jenny de Wastfália, sua amiga de infância. Em fins de outubro de 1843 fixou residência em Paris, onde fundou, com Arnold Ruge, os "Anais franco-alemães". Aí foram publicados seus notáveis artigos "Contribuição à crítica da filosofia do direito de Hegel" e "A questão judaica". "Nos artigos publicados nessa revista, Marx aparece-nos já como revolucionário que proclama "a crítica implacável de tudo o que existe" e, particularmente "a crítica das armas", apelando para as massas e o proletariado" (Lênin, Marx e Engels). Em setembro de 1844, deu-se o encontro de Marx e Engels em Paris, encontro que foi o início de sua luta comum pela causa operária. Foram eles os primeiros a revelar o papel histórico do proletariado como coveiro do capitalismo e construtor do comunismo, e converteram-se em educadores e dirigentes do proletariado, em campeões da luta pela emancipação dos trabalhadores da escravidão capitalista. "As lendas antigas", escreve Lênin "oferecem exemplos comovedores de amizade. O proletariado europeu pode dizer que sua ciência foi criada por dois sábios e militantes cujas relações pessoais empalidecem as mais comovedoras lendas antigas sobre a amizade entre homens" . Em 1845. Marx e Engels escreveram "A .Sagrada Família" , contra as chefes dos "Jovens hegelianos" , Bruno Bauer, e companhia, livro que desempenhou importante papel na elaboração do marxismo. Marx e Engels expuseram sua teoria do comunismo científico na obra "A ideologia alemã" . Em Paris, Marx consagrou-se ao estudo da economia política e da história da Revolução Francesa, sem deixar por isso de prosseguir na atividade revolucionária. Em 1845, ante a insistência do governo prussiano, Marx foi expulso de Paris como perigoso revolucionário. Tendo fixado residência em Bruxelas, Marx, em 1847, publicou sua obra "Miséria da. Filosofia" , resposta à "Filosofia da Miséria", do anarquista e socialista pequeno-burguês Proudhon. Em Bruxelas. Marx aderiu a uma sociedade secreta de propaganda, a "Liga dos Comunistas", e tomou parte dirigente no II Congresso da Liga, que encomendou a Marx e Engels a redação do programa dessa associação. Dessa forma foi como em fevereiro de 1848 apareceu o célebre "Manifesto do Partido Comunista" , com sua grande palavra de ordem internacional: "Proletários de todos os países, uni-vos!" "Esse pequeno livro vale tomos inteiros, escreveu Lênin, e seu espírito faz viver e marchar, até nossos dias, todo o proletariado organizado e combatente do mundo civilizado" . Em Bruxelas, Marx continuou sua luta contra o governo prussiano. Quando estourou a revolução de fevereiro de 1848 na F rança, o governo belga, à vista do movimento popular que se iniciava em Bruxelas. Expulsou Marx, que foi levado, sob escolta policial, à fronteira francesa. Marx voltou a Paris. Mas depois da revolução de março de 1848 na Alemanha, rumou para Colônia, para ali fundar a "Nova Gazeta do Reno". Depois da vitória da contra-revolução na Alemanha, Marx foi processado e em seguida expulso também de Paris, após as manifestações de junho de 1849, a: do que refugiar-se em Londres, onde viveu até o fim de seus dias. Depois do golpe de Estado na França, Marx publicou a "Luta de classes na França" e "O 18 Brumário de Luís Bonaparte", obras nas quais faz o balanço da revolução de 1848-1851. Os anos seguintes foram consagrados à sua principal obra científica, "O capital" . Após prolongadas pesquisas econômicas, Marx publicou em 1859 a "Contribuição à crítica da Economia Política", primeira exposição de sua teoria do valor e do dinheiro. Oito anos mais tarde, em 1867, apareceu em Hamburgo o livro primeiro de "O Capital", contendo os princípios essenciais das concepções econômicas e socialistas de Marx, assim como as bases de sua crítica da sociedade contemporânea, do modo de produção capitalista e de suas conseqüências. Durante os anos que Marx dedicou a "O Capital", desempenhou, concomitantemente, desbordante atividade. Perante a ascensão do movimento operário, no começo da década de 60, Marx dedicou-se à realização de sua idéia: criar uma associação de trabalhadores para elaborar uma tática única para a luta proletária. Em 1864, foi fundada em Londres a ,"Associação Internacional dos Trabalhadores", e I Internacional, da qual foi Marx o animador e chefe ideológico. Redigiu o Manifesto inaugural da Internacional e quase todos seus principais documentos. Ao criar a I Internacional, Marx lançara os alicerces da organização proletária internacional para a luta revolucionária pelo socialismo. A testa da Internacional, Marx empreendeu a luta para dar fim à dispersão do movimento operário. "A Internacional havia sido fundada para substituir as seitas socialistas e semi-socialistas por uma efetiva organização da classe operária" (Marx-Engels, Obras). Numa luta implacável contra o oportunismo dentro do movimento operário, contra os anarquistas (proudhonianos, bakuninistas, etc.), Marx elaborou a tática revolucionária para a luta da classe operária. Em 1871 escreveu sua célebre obra " A guerra civil na França", na qual analisa a experiência da Comuna de Paris, dando dela uma apreciação "profunda, exata, brilhante, eficaz, revolucionária" (Lênin). Em virtude da reação que se seguiu à queda da Comuna de Paris, o Conselho Geral da Internacional, por uma decisão do Congresso de Haia (1872), foi transferido para os Estados Unidos, onde, posteriormente, declarou-se dissolvido. Marx consagrou-se novamente a "O Capital", plenamente consciente do alcance dessa obra para a revolução proletária, para a classe operária internacional. Em 1875, escreveu sua célebre "Crítica do Programa de Gotha" . A partir do começo da década de 60, Marx foi seguindo com a maior atenção o movimento de libertação social na Rússia. Estudou a língua russa para poder ler no original as obras de literatura que espelhavam as relações sociais na Rússia. Inteirou-se com alegria de que seu livro "O Capital" havia sido já traduzido em russo... "na Rússia, onde se le e aprecia "O Capital" mais do que em qualquer outro pais, nosso êxito é ainda mais considerável" . Tinha alta estima pelos grandes revolucionários democráticos russos Chernishevsky , Dobroliubov. O profundo exame das mudanças econômicas e políticas ocorridas na Rússia permitiu a Marx e Engels prever logo no fim de Comuna de Paris de 1871 a iminência da primeira grande revolução russa. "Quando a Comuna de Paris foi esmagada pelos massacres organizados pelos defensores da ordem", escreveram Marx e Engels em 21 de março de 1881, "os vencedores não podiam nem sequer supor que apenas dez anos mais tarde, lá longe, em Petroburgo. produzir-se-ia um acontecimento que deverá levar inevitavelmente, mesmo que a luta tenha que ser longa e cruel, à Comuna Russa.... Dessa forma, a Comuna que as potências do velho mundo julgavam ter varrido da face da terra, vive ainda!". Lênin frisou que Marx e Engels haviam tido fé na revolução russa, que estavam convencidos de seu imenso alcance mundial. As Medidas de expulsão de que foi objeto Marx em numerosas ocasiões por parte de governos reacionários, a miséria de que padeceu toda a sua. vida, e que o apoio financeiro de Engels apenas atenuou parcialmente, a luta implacável que manteve contra as correntes não-proletárias e anti-proletárias de toda espécie, o trabalho intensivo que exigiam suas obras teóricas, tudo isso aniquilou a saúde de Marx e no dia 14 de março de 1883, este homem genial faleceu. Foi o cérebro e o coração do proletariado, da classe mais progressista, chamada a realizar uma reviravolta na história da humanidade. "E morreu, diz Engels, venerado, querido, chorado por milhões de operários da causa revolucionária, como ele, disseminados por toda Europa e América, desde as minas da Sibéria até a Califórnia". ("Discurso diante da tumba de Marx", em Marx-Engels, Obras Escolhidas).

Karl Marx nasce em 1818, em Trier ou Trévers, "a menor e mais desgraçada aldeia, cheia de mexericos e ridículos endeusamentos locais". De sua juventude não se sabe nada de significativo. Interessante é no máximo observar que o futuro ateísta fanático tenha escrito um ensaio de conclusão do curso secundário sobre o tema "A Unificação dos Crentes em Cristo". Depois, quando segue para Bonn a fim de estudar Direito, encontra notoriamente dificuldades em lidar com as coisas exteriores. Em todo caso, assim lhe escreve a mãe apreensiva: "Você não deve considerar de modo algum uma fraqueza feminina, se eu agora estiver curiosa para saber como tem administrado sua vida doméstica, se a economia representa também algum papel, o que é uma necessidade inevitável tanto para grandes como para pequenas casas. Permito-me assim observar, querido Karl, que você nunca deve considerar limpeza e ordem coisas secundárias, pois disso depende a saúde e o bem-estar. Observe rigorosamente que seu quarto seja lavado. E lave-se você também, querido Karl, semanalmente com esponja e sabonete." Essa advertência certamente não é sem fundamento, pois as condições sob as quais Marx conduz seus estudos são tudo menos ordeiras: ingressa em uma corporação e, se as notícias sobre isso procedem, é ferido em um duelo. É encarcerado por "perturbar a ordem com alarido noturno e bebedeira". É indiciado por "porte ilegal de arma". Acumula dívida sobre dívida. Não obstante, fica noivo de Jenny von Westphalen, se bem que a nobre família da noiva só tenha aceito o zé-ninguém com hesitação. Até seu pai o adverte sobre o "exagero e exaltação do amor de uma índole poética" de ligar-se a uma mulher.


Após dois semestres, Marx continua seus estudos em Berlim, mas também lá se evidencia que ele não é nenhum estudante modelar. Seu pai tem razão em se queixar. "Desordem, divagação apática por todas as áreas do saber, meditação indolente junto da sedenta lamparina de azeite; embrutecimento erudito em robe de chambre em vez de embrutecimento junto da caneca de cerveja, insociabilidade repugnante com menosprezo total pelas boas maneiras", tudo isso ele censura no filho. Marx assiste apenas a poucas aulas, e mesmo essas antes do âmbito da Filosofia e da História do que do âmbito do Direito. Por semestres inteiros quase não freqüenta a universidade. De qualquer modo ele se forma aos 23 anos com um trabalho sobre um tema filosófico, em Jena, sem nem sequer ter estado lá por uma única hora. Mas esses acontecimentos não o impressionam. Para ele mais importante é pertencer ao "Clube do Doutor", uma agremiação de jovens discípulos de Hegel, e lá discutir dia e noite. Seus amigos atestam que ele é um "arsenal de pensamentos", uma "alma-danada de idéias". Ao mesmo tempo escreve "um novo sistema metafísico fundamental". Naturalmente, quer se tornar professor; mas desiste quando vê que seus amigos, os hegelianos de esquerda, quase sem exceção naufragavam no governo reacionário.


Em vez disso, Marx torna-se redator no Jornal Renano, de tendência liberal, publicado em Colônia. Essa atividade força-o a ocupar-se com problemas concretos de natureza política e econômica. Ele redige a folha em um espírito intrépido e liberal. Porém, recusa rudemente o comunismo, do qual mais tarde deveria tornar-se o cabeça. Após breve tempo, contudo, tem de suspender sua atividade de editor sob pressão policial. O jornal – "a meretriz do Reno", como o rei prussiano havia por bem chamá-lo – deixa de ser publicado.


Depois de ter-se casado com sua noiva de longos anos, Marx dirigi-se para Paris, onde edita juntamente com seu amigo Arnold Ruge os Anuários Franco-Germânicos. Por um tempo vive juntamente com a família Ruge em uma "comunidade comunista", que porém logo se desagregaria devido à incompatibilidade de gênios. Em Paris, Marx entra em contato com Heine e com socialistas franceses. Mas também sua permanência nesta cidade não é muito longa. A pedido do governo prussiano é expulso da França e estabelece-se provisoriamente em Bruxelas, onde funda o primeiro partido comunista do mundo (com 17 membros). Marx vai por pouco tempo para Londres, retornando então durante a Revolução de 1848 – por ocasião da qual escreve O Manifesto Comunista –, à França e à Alemanha a fim de promover seus planos revolucionários. Em Colônia, funda o Novo Jornal Renano. Mas é novamente expulso e vive até seus últimos dias, com apenas algumas interrupções para breves viagens ao continente, em Londres. Porém, todos esses anos em Paris e Bruxelas são cheios de contendas amargas e não particularmente tolerantes conduzidas contra revolucionários dissidentes; há também um trabalho intensivo em manuscritos filosóficos e econômicos, os quais em grande parte só serão publicados após sua morte.


Em Londres, Marx vive em situações muito limitadas com uma família que se multiplica com rapidez. Freqüentemente padecem necessidades. A fundação de um jornal fracassa. Marx tem de levar a vida em grande parte por meio de donativos, sobretudo de seu amigo Friedrich Engels. As condições de moradia são na maioria das vezes catastróficas; ocasionalmente, até a mobília é penhorada. Ocorre inclusive de Marx nem sequer poder sair de casa por sua roupa ter sido penhorada. As doenças perseguem a família; apenas algumas das crianças sobrevivem aos primeiros anos. Pressionado por dívidas, Marx pensa em declarar bancarrota; apenas o fiel amigo Engels consegue impedir esse ato extremo. A senhora Jenny desespera-se freqüentemente e deseja para si e suas crianças antes a morte do que viver uma vida tão miserável. Acresce que Marx se envolve em um caso amoroso com a empregada doméstica, que não fica sem conseqüências e prejudica sensivelmente o clima doméstico já afetado pela miséria financeira. Continuam também as desavenças com os correligionários. Apesar de tudo, Marx trabalha ferreamente, ainda que interrompido por períodos de inatividade causada por esgotamento, em sua obra-prima, O Capital. Ele consegue enfim publicar o primeiro volume; como quase não aparecem comentários, ele mesmo escreve críticas positivas e negativas. Em 1883 porém, antes que a obra de três volumes esteja completa, Marx morre aos 65 anos.


O aspecto e a personalidade de Marx são descritos por um amigo russo de modo bem intuitivo, ainda que sua magnífica barba seja esquecida: "Ele representa o tipo de homem constituído por energia, força de vontade e convicção inflexível, um tipo que também segundo a aparência era extremamente estranho. Uma grossa juba negra sobre a cabeça, as mãos cobertas pelos pêlos, o paletó abotoado totalmente, possuía contudo o aspecto de um homem que tem o direito e o poder de atrair a atenção, por mais esquisitos que parecessem seu aspecto e seu comportamento. Seus movimentos eram desastrados, porém ousados e altivos; suas maneiras iam frontalmente de encontro a toda forma de sociabilidade. Mas eram orgulhosas, com um laivo de desprezo, e sua voz aguda, que suava como metal, combinava-se estranhamente com os juízos radicais que fazia sobre homens e coisas. Não falava senão em palavras imperativas, intolerantes contra toda resistência, que aliás eram ainda intensificadas por um tom que me tocava quase dolorosamente e que impregnava tudo o que falava. Esse tom expressava a firme convicção de sua missão de dominar os espíritos e de prescrever-lhes leis. Diante de mim estava a encarnação de um ditador democrático, assim como se fosse em momentos de fantasia."


Desde o início de sua atividade filosófica, Marx insere-se na maior disputa espiritual de seu tempo, determinada pela vultosa figura de Hegel, cujo pensamento ele chama de "a filosofia atual do mundo". Inicialmente, Marx dedica-se a Hegel com paixão para, depois, distanciar-se dele com tanto maior aspereza.


Sua crítica inicia-se pela concepção da história de Hegel. Para este, a história não é uma mera seqüência casual de acontecimentos, mas um suceder racional que se desenvolve segundo um princípio imanente, ou seja, uma dialética interna. O decisivo nisso é que o verdadeiro sujeito da história não são os homens que agem. Na história antes dominaria um espírito que tudo abrange, ao qual Hegel designa como "espírito do mundo" ou "espírito absoluto" ou mesmo" Deus". Esse, o Deus que vem-a-ser, realiza no curso da história sua autoconsciência. Ele chega, por meio dos diferentes momentos do processo histórico, a si mesmo.


Hegel era da opinião de que em seu tempo e em seu próprio sistema o espírito absoluto teria, após todos seus descaminhos através da história, finalmente alcançado seu objetivo: a perfeita autoconsciência. "O espírito universal chegou ora até aqui. A última filosofia é o resultado de todas as anteriores; nada está perdido, todos os princípios foram preservados. Esta idéia concreta é o resultado dos esforços do espírito por quase 2500 anos, seu fervoroso trabalho, de reconhecer-se." Portanto, após o surgimento da filosofia hegeliana, não pode haver mais nada realmente inconcebível. Esse é o sentido da conhecida frase do Prefácio à Filosofia do Direito: "O que é racional é real; e o que é real é racional." Razão e realidade chegaram portanto, segundo Hegel, finalmente à adequação uma com a outra; elas foram verdadeiramente conciliadas. O espírito absoluto compreendeu a si mesmo como a realidade total e a realidade total como manifestação sua.


Aqui entra o protesto de Marx. Aquele pensamento de Hegel, de que a realidade toda tinha de ser entendida a partir de um espírito absoluto, consiste para ele em um injustificado "misticismo". Pois assim se filosofa a partir de um ponto acima da realidade factual, não a partir dessa mesma. Em oposição a isso a decidida exigência de Marx – de colocar a filosofia, ora de ponta-cabeça, de volta sobre os pés – é que a visão da realidade deveria ser invertida. A realidade deste mundo não deve ser explicada com base em uma realidade divina. Contrariamente, o ponto de partida do pensamento tem de ser a realidade concreta. Esse pensamento imprime à filosofia de Marx seu cunho ateísta. "A missão da história é, após o além da verdade ter desaparecido, estabelecer a verdade do aquém."


Quando Hegel afirma que a realidade estaria conciliada com a razão, ele não poderia, segundo Marx, ter em vista a realidade concreta. Em Hegel, tudo se passa no âmbito do mero pensamento. Mesmo a realidade sobre a qual ele fala, é a mera realidade pensada. Para Marx, porém, a realidade factual mostra-se contraditória, inconcebível e portanto não conciliada com a razão. Todo o empenho filosófico de Hegel fracassa porque ele não é capaz de incluir essa realidade efetiva em seu pensar, por mais abrangente que esse seja. "O mundo é portanto um mundo dilacerado, que se opõe a uma filosofia fechada em sua própria totalidade."


Para Marx, portanto, a realidade concreta é a realidade do homem. "As pressuposições com as quais iniciamos são os indivíduos reais." A filosofia como Marx a postula – em contraposição a Hegel e em concordância com Feuerbach – é uma filosofia da existência humana. "A raiz do homem é o próprio homem." Marx denomina sua filosofia por isso mesmo de "humanismo real". O real primeiro e originário para o homem é o próprio homem. É dele, portanto, que o novo pensar também tem de partir.


Mas o que é o homem? O significativo aqui é que Marx não considera o homem, como o faz Hegel, essencialmente a partir de sua faculdade de conhecer. Ao contrário, trata-se decisivamente da práxis humana, da ação concreta. "Na práxis, o homem tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade, o poder e a mundanalidade de seu pensamento." "Parte-se do homem real que age."


É da essência da práxis humana que ela se realize na relação com o outro. Se Feuerbach queria conceber o homem como indivíduo isolado, Marx ressalta com toda clareza: o homem vive desde sempre em uma sociedade que o supera. "O indivíduo é o ser social." "O homem, isto é o mundo do homem: Estado, sociedade." Essa natureza social constitui para Marx o ponto de partida para toda reflexão subseqüente. Assim deve-se entender a muito discutida frase: "Não é a consciência do homem que determina seu ser, mas é seu ser social que determina sua consciência."


Mas por que meio se constitui a sociedade humana? Marx responde: basicamente, não por meio da consciência comum, mas por meio do trabalho comum. Pois o homem é originariamente um ser econômico. As relações econômicas e particularmente as forças produtivas a elas subjacentes são a base (ou a "infra-estrutura") de sua existência. Apenas na medida em que essas relações econômicas se modificam, também se desenvolvem os modos da consciência, que representam a "superestrutura ideológica". Desta superestrutura fazem parte o Estado, as leis, as idéias, a moral, a arte, a religião e similares. Na base econômica reencontram-se também aquelas leis do desenvolvimento histórico, como as que Hegel atribuiu ao espírito. As relações econômicas desdobram-se de modo dialético, mais precisamente, no conflito de classes. Por isso, para Marx, a história é principalmente a história das lutas de classes.


Até aqui tudo poderia parecer como uma das muitas teorias antropológicas e histórico-filosóficas, em que a história da filosofia é bastante rica, isto é, até interessante mas realmente apenas mais uma interpretação entre muitas outras. Por que, então, o que Marx diz é tão estimulante? Como se explica que seu pensamento tenha determinado tão amplamente o tempo seguinte? Isso reside obviamente em que Marx não se detém no âmbito do pensamento puro, mas que se põe a trabalhar decisivamente na transformação da realidade: "Os filósofos têm apenas interpretado diversamente o mundo; trata-se de modificá-lo."


Nessa intenção, Marx empreende uma crítica de seu tempo. Observa que em seus dias a verdadeira essência do homem, sua liberdade e independência, "a atividade livre e consciente", não se podem fazer valer. Por toda parte o homem é tirado a si mesmo. Por toda parte perdeu as autênticas possibilidades humanas de existência. Esse é o sentido daquilo que Marx chama de "auto-alienação" do homem. Ela significa uma permanente "depreciação do mundo do homem".


Também aqui Marx recorre às relações econômicas. A auto-alienação do homem tem sua raiz em uma alienação do trabalhador do produto de seu trabalho: este não pertence àquele para seu usufruto, mas ao empregador. O produto do trabalho torna-se uma "mercadoria", isto é, uma coisa estranha ou alheia ao trabalhador, que o coloca em posição de dependência, porque ele precisa compará-la para poder subsistir. "O objeto que o trabalho produz, seu produto, apresenta-se a ele como uma essência estranha, como um poder independente do produtor." Da mesma forma também o trabalho se torna "trabalho alienado": não a ele imposto de sua autoconservação; o trabalho torna-se, em sentido próprio, "trabalho forçado". Esse desenvolvimento atinge sua culminância no capitalismo, no qual o capital assume a função de um poder separado dos homens.


A alienação do produto do trabalho conduz também a uma "alienação do homem". Isso não vale apenas para a "luta de inimigos entre capitalista e trabalhador". As relações interpessoais em geral perdem cada vez mais a sua imediação. Elas são mediadas pelas mercadorias e pelo dinheiro, "a meretriz universal". Enfim, os próprios proletários assumem caráter de mercadoria; sua força de trabalho é comercializada no mercado de trabalho, no qual se encontra à mercê do arbítrio dos compradores. Seu "mundo interior" torna-se "cada vez mais pobre"; sua "destinação humana e sua dignidade" perdem-se cada vez mais. O trabalhador é "o homem extraviado de si mesmo"; sua existência é "a perda total do homem"; sua essência é uma "essência desumanizada".


Mas, no ápice desse desenvolvimento – o que Marx crê poder demonstrar –, tem de sobrevir a guinada. Ela se torna possível desde que o proletariado se conscientize de sua alienação. Ele se compreende então como "a miséria consciente de sua miséria espiritual e física, a desumanização que, consciente de sua desumanização, supera por isso a si mesma". Concretamente, segundo os prognósticos de Marx, chega-se a uma concentração do capital nas mãos de poucos, a um crescente desemprego e empobrecimento das massas. Com isso, porém, o capital torna-se seu próprio coveiro. Pois a essa concentração de capital devem seguir-se, segundo "leis infalíveis" – com necessidade histórica, cientificamente reconhecida e dialética –, a subversão e a revolução. A missão dessa revolução é "transformar o homem em homem", para que "o homem seja o ser supremo para o homem". Trata-se de "derrubar todas as relações em que o homem é um ser degradado, escravizado, abandonado e desprezado". Importa realizar "o verdadeiro reino da liberdade", desenfronhar o homem em "toda a riqueza de sua essência" e, com isso, superar definitivamente a alienação.


Marx considera tudo isso tarefa do movimento comunista. É chegado o tempo do "comunismo como superação positiva da propriedade privada enquanto auto-alienação do homem e por isso como apropriação real da essência humana por meio de e para o homem; por isso, como regresso – perfeito, consciente e dentro da riqueza total do desenvolvimento até aqui –, do homem para si mesmo enquanto homem social, ou seja, humano. Esse comunismo é a verdadeira dissolução do antagonismo entre o homem e a natureza e entre o homem e o homem. A verdadeira solução do conflito entre liberdade e necessidade. Ele é o enigma decifrado da história, a verdadeira realização da essência do homem". Com o comunismo, "encerra-se a pré-história da sociedade humana" e inicia-se a sociedade "realmente humana". Mas sobre como essa sociedade comunista deve ser, Marx não nos dá nenhuma informação adicional.